quarta-feira, 1 de junho de 2011

Ken Russell

Gothic


          Em 1816, o poeta Percy Sheller, visita seu amigo Lord Byron, também poeta, que vive auto-exilado na Suíça. Shelley leva consigo sua mulher Mary Godwin e a cunhada Claire. Byron incita os visitantes cultos a experimetarem a imaginação, estimulada por histórias de horror, a prática do amor livre e cultos que desafiam as amarras religiosas e os maiores temores de cada um. Gothic é um sedutor e fascinante estudo sobre a criação de dois grandes mitos da cultura popular: o vampiro e o Frankenstein. Baseado em fato verídico, Gothic é um autêntico delírio visual, que o Jornal Variety definiu como um genial filme de terror para intelectuais.

Umbra Et Imago

Mea Culpa (live)

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Junior

Cavalo Alado

            Noite no bosque enluarado, onde a neblina paira sobre o solo, como um lençol de seda pagão enviado pelos deuses. Murmúrio das feras e dos pássaros, misturado ao lamento dos desesperados, donos da noite, amantes da escuridão, perdidos da luz.
            Espectros e sombras, árvores ao sol, mutantes nas trevas, esculpidas pela sombra-luz do luar.
            Paisagem distorcida, interpretada como um sonho-pesadelo onde imagens reais fundem-se com o imaginário, tornando-se um quadro surrealista cheio de verdades e mentiras.
            Foge cavalo alado, foge, pois os humanos vêm, trazendo junto a destruição, elemento natural entre eles. Destruirão você, que é puro como uma criança em sua inocência. Tingirão o branco das suas asas com o vermelho da morte e pisarão as flores que tanto lhe encantam. Foge, por favor, foge!
            Mas por que você não foge? Fica, e fica impassível a pastar, sereno como o riacho que corta a mata com sua lâmina de águas reluzentes.
            O que você pretende, ficando aqui à espera de criaturas tão desprezíveis, que certamente lhe transformarão em um triste troféu para lhes alimentar a vaidade?
            Escute! Ouça! Estão perto! Não reconhece o som da morte caminhando sobre a relva? Pela última vez eu lhe imploro: foge, foge para a mais alta das montanhas, onde não possam lhe alcançar!
            Mas... não. Não há mais tempo. Eles chegam, trazendo junto o seu triste destino. Por que não partiu quando lhe pedi?
            Agora você nada mais é do que uma lembrança em minha mente, como uma fotografia amarelada pelo tempo.
            Sentirei sua falta, cavalo alado, pois com você morreu uma parte de mim: o meu sonho de criança. Com sua inocência morreu a minha também.
            Agora sou adulto!
            Mas, pensando bem, não como os que lhe mataram, pois sua lembrança ficou marcada também em meu coração, que baterá pensando em você até o fim dos meus dias.
            Isso porque, você morreu em meu sonho de criança, mas sua memória viverá em meu sonho de adulto.
            Adeus!

Marion Zimmer Bradley

A Queda de Atlântida

Livro Um - Micon


                “Todos os eventos não passam de consumação de causas anteriores, percebidas claramente, mas não aprendidas com nitidez. Quando a melodia soa, até o ouvinte mais inculto pode compreender que deve terminar com uma determinada tônica, embora não seja capaz de perceber por que cada compasso sucessivo deve levar ao acorde conclusivo. A lei do Carma é a força que leva todos os acordes à mesma tônica, que espalha as ondulações de uma pequena pedra largada num remanso, até que ondas gigantescas afundem um continente, muito tempo depois de a pedra sumir e ser esquecida.
                Esta é a história de uma pedra assim, largada no remanso de um mundo que submergiu muito antes de os faraós do Egito empilharem uma pedra sobre outra.”
Os ensinamentos de Rajasta, o Mago

Livro Dois – Domaris

                “Se um pergaminho traz más notícias, a culpa é do pergaminho ou do que está escrito nele? Se o pergaminho é portador de boas novas, de que forma pode diferir daquele que traz más notícias?
                Começamos a vida com uma lousa aparentemente vazia — e, embora os escritos que gradativamente aparecem nessa lousa não nos pertençam, nosso julgamento das coisas escritas determina o que somos e o que nos tornaremos. Da mesma forma, nossa obra será julgada pela maneira como as outras pessoas a aproveitam... Portanto, a questão passa a ser a seguinte: como podemos controlar seu uso quando escapa ao nosso controle, passando para as mãos de pessoas sobra as quais não temos qualquer controle?
                Os ensinamentos mais antigos da Casta dos Sacerdotes apregoam que o desempenho de nosso trabalho com a vontade e o desejo seja pela melhoria do homem e do mundo, e nós lhe concedemos nossa benção, que reduzirá o desejo do usuário de aproveitá-la para propósitos destrutivos. Sem dúvida, há alguma verdade nisso — mas redução não é prevenção.”
— da introdução a O Código do Iniciado Riveda

In, A Queda de Atlântida — I: A Teia de Luz,

Within Temptation

Memories

In this world you tried
Not leaving me alone behind
There's no other way
I prayed to the gods let him stay
The memories ease the pain inside, now I know why
All of my memories keep you near
In silent moments imagine you be here
All of my memories keep you near
Your silent whispers, silent tears
Made me promise I'd try
To find my way back in this life
I hope there is a way
To give me a sign you're ok
Reminds me again it's worth it all, so I can go home
All of my memories keep you near
In silent moments imagine you be here
All of my memories keep you near
Your silent whispers, silent tears
Together in all these memories
I see your smile
All the memories I hold dear
Darling, you know I will love you 'til the end of time
All of my memories keep you near
In silent moments imagine you be here
All of my memories keep you near
Your silent whispers, silent tears
All of my memories....
Composição : M. Spierenburg / R. Westerholt / S. DenAdel

terça-feira, 1 de março de 2011

Alceu Valença

Solidão


A solidão é fera
A solidão devora
É amiga das horas
Prima-irmã do tempo
E faz nossos relógios
Caminharem lentos
Causando um descompasso
No meu coração
A solidão dos astros
A solidão da lua
A solidão da noite
A solidão da rua

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Vinícius de Moraes

Da solidão


Sequioso de escrever um poema que exprimisse a maior dor do mundo, Poe chegou, por exclusão, à idéia da morte da mulher amada. Nada lhe pareceu mais definitivamente doloroso. Assim nasceu "O corvo": o pássaro agoureiro a repetir ao homem sozinho em sua saudade a pungente litania do "nunca mais". Será esta a maior das solidões? Realmente, o que pode existir de pior que a impossibilidade de arrancar à morte o ser amado, que fez Orfeu descer aos Infernos em busca de Eurídice e acabou por lhe calar a lira mágica? Distante, separado, prisioneiro, ainda pode aquele que ama alimentar sua paixão com o sentimento de que o objeto amado está vivo. Morto este, só lhe restam dois caminhos: o suicídio, físico ou moral, ou uma fé qualquer. E como tal fé constitui uma possibilidade - que outra coisa é a Divina comédia para Dante senão a morte de Beatriz? - cabe uma consideração também dolorosa: a solidão que a morte da mulher amada deixa não é, porquanto absoluta, a maior solidão.

Qual será maior então? Os grandes momentos de solidão, a de Jó, a de Cristo no Horto, tinham a exaltá-la uma fé. A solidão de Carlitos, naquela incrível imagem em que ele aparece na eterna esquina no final de Luzes da cidade, tinha a justificá-la o sacrifício feito pela mulher amada.

Penso com mais frio n'alma na solidão dos últimos dias do pintor Toulouse-Lautrec, em seu leito de moribundo, lúcido, fechado em si mesmo, e no duro olhar de ódio que deitou ao pai, segundos antes de morrer, como a culpá-lo de o ter gerado um monstro.

Penso com mais frio n'alma ainda na solidão total dos poucos minutos que terão restado ao poeta Hart Crane, quando, no auge da neurastenia, depois de se ter jogado ao mar, numa viagem de regresso do México para os Estados Unidos, viu sobre si mesmo a imensa noite do oceano imenso à sua volta, e ao longe as luzes do navio que se afastava. O que se terão dito o poeta e a eternidade nesses poucos instantes em que ele, quem sabe banhado de poesia total, boiou a esmo sobre a negra massa líquida, à espera do abandono?

Solidão inenarrável, quem sabe povoada de beleza... Mas será ela, também, a maior solidão? A solidão do poeta Rilke, quando, na alta escarpa sobre o Adriático, ouviu no vento a música do primeiro verso que desencadeou as Elegias de Duino, será ela a maior solidão?

Não, a maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e de ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes da emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto da sua fria e desolada torre.

In Para viver um grande amor, Editora do Autor .1962

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Mário Quintana

Silêncios


Há um silêncio de antes de abrir-se um telegrama urgente
Há um silêncio de um primeiro olhar de desejo
Há um silêncio trêmulo de teias ao apanhar uma mosca
... e o silêncio de uma lápide que ninguém lê.

Zizi Possi

Noite



Eu fico quieta, não canto
Penso, medito e me espanto
A vida dá voltas, mistérios
O que é que eu vou fazer?

Sozinha num quarto fechado
Eu vejo a cidade ao longe
Procuro alguém que se esconde
Por onde começar?

Noite, há horas te espero
E você não chega, ai meu coração
Fogo aceso, corpo paixão
Sou toda explosão

Compositor: Nico Resende – Jorge Salomão


Mário de Andrade

Canção



... de árvores indevassáveis
De alma escusa sem pássaros
Sem fonte matutina
Chão tramado de saudades
À eterna espera da brisa,
Sem carinhos... Como me alegrarei?

Na solidão solitude,
Na solidão entrei

Era uma esperança alada
Não foi hoje mas será amanhã,
Há-de ter algum caminho
Raio de sol promessa olhar
As noites graves do amor
O luar a aurora o amor... que sei!

Na solidão solitude
Na solidão entrei,
Na solidão perdi-me...

O agouro chegou. Estoura
No coração devastado
O riso da mãe-da-lua,
Não tive um dia! Uma ilusão não tive
Ternuras que não me viestes
Beijos que não me esperastes
Ombros de amigos fiéis
Nem uma flor apanhei

Na solidão solitude
Na solidão entrei,
Na solidão perdi-me
Nunca me alegrarei.

                                                Rio, 22 de dezembro de 1940

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Legião Urbana

Há Tempos


Parece cocaína mas é só tristeza, talvez tua cidade.
Muitos temores nascem do cansaço e da solidão
E o descompasso e o desperdício herdeiros são
Agora da virtude que perdemos.

Há tempos tive um sonho, não me lembro
não me lembro...

Tua tristeza é tão exata
E hoje o dia é tão bonito
Já estamos acostumados
A não termos mais nem isso.

Os sonhos vêm e os sonhos vão
O resto é imperfeito.

Disseste que se tua voz tivesse força igual
À imensa dor que sentes
Teu grito acordaria
Não só a tua casa
Mas a vizinhança inteira.

E há tempos nem os santos têm ao certo
A medida da maldade
Há tempos são os jovens que adoecem
Há tempos o encanto está ausente
E há ferrugem nos sorrisos
E só o acaso estende os braços
A quem procura abrigo e proteção.

Meu amor, disciplina é liberdade
Compaixão é fortaleza
Ter bondade é ter coragem
Lá em casa tem um poço
mas a água é muito limpa.

Composição: Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Marcelo Bonfá

Manuel Bandeira

Paisagem Noturna



                             A sombra imensa, a noite infinita enche o vale...
                             E lá no fundo vem a voz
                             Humilde e lamentosa
                             Dos pássaros da treva. Em nós,
                              - Em noss'alma criminosa,
                             O pavor se insinua...

                             Um carneiro bale.
                             Ouvem-se pios funerais.
                             Um como grande e doloroso arquejo
                             Corta a amplidão que a amplidão continua...
                             E cadentes, metálicos, pontuais,
                             Os tanoeiros do brejo,
                             - Os vigias da noite silenciosa,
                             Malham nos aguaçais.

                             Pouco a pouco, porém, a muralha de treva
                             Vai perdendo a espessura, e em breve se adelgaça
                             Como um diáfano crepe, atrás do qual se eleve
                             A sombria massa
                             Das serranias.

                             O plenilúnio vai romper... Já da penumbra
                             Lentamente reslumbra
                             A paisagem de grandes árvores dormentes.
                             E cambiantes sutis, tonalidades fugidias,
                             Tintas deliqüescentes
                             Mancham para o levante as nuvens langorosas.
                             Enfim, cheia, serena, pura,
                             Como uma hóstia de luz erguida no horizonte,
                             fazendo levantar a fronte
                             Dos poetas e das almas amorosas,
                             Dissipando o temor nas consciências medrosas
                             E frustrando a emboscada a espiar na noite escura,
                             - A Lua
                             Assoma à crista da montanha.

                             Em sua luz se banha
                             A solidão cheia de vozes que segredam...
                             Em voluptuoso espreguiçar de forma nua
                             As névoas enveredam
                             No vale. São como alvas, longas charpas
                             Suspensas no ar ao longo das escarpas.
                             Lembram os rebanhos de carneiros
                             Quando,
                             fugindo ao sol a pino,
                             Buscam oitões, adros hospitaleiros
                             E lá quedam tranqüilos ruminando...
                             Assim a névoa azul paira sonhando...
                             As estrelas sorriem de escutar
                             As baladas atrozes
                             Dos sapos.
                             E o luar úmido...fino...
                             Amávico...tutelar...
                             Anima e transfigura a solidão cheia de vozes...

Cruz e Souza

A Morte


Oh! que doce tristeza e que ternura
No olhar ansioso, aflito dos que morrem...
De que âncoras profundas se socorrem
Os que penetram nessa noite escura!

Da vida aos frios véus da sepultura
Vagos momentos trêmulos decorrem...
E dos olhos as lágrimas escorrem
Como faróis da humana Desventura.

Descem então aos golfos congelados
Os que na terra vagam suspirando,
Com os velhos corações tantalizados.

Tudo negro e sinistro vai rolando
Báratro a baixo, aos ecos soluçados
Do vendaval da Morte ondeando, uivando...

Álvares de Azevedo

Meu Sonho
The Vision of Death - Gustave Doré




Eu
Cavaleiro das armas escuras,
Onde vais pelas trevas impuras
Com a espada sangüenta na mão?
Por que brilham teus olhos ardentes
E gemidos nos lábios frementes
Vertem fogo do teu coração?

Cavaleiro, quem és? o remorso?
Do corcel te debruças no dorso.
E galopas do vale através.
Oh! da estrada acordando as poeiras
Não escutas gritar as caveiras
E morder-te o fantasma nos pés?

Onde vais pelas trevas impuras,
Cavaleiro das armas escuras,
Macilento qual morto na tumba?.
Tu escutas. Na longa montanha
Um tropel teu galope acompanha?
E um clamor de vingança retumba?

Cavaleiro, quem és? - que mistério,
Quem te força da morte no império
Pela noite assombrada a vagar?


O Fantasma
Sou o sonho da tua esperança,
Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há de matar!.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Barão Vermelho

Down em mim



Eu não sei o que o meu corpo abriga
Nestas noites quentes de verão
E nem me importa que mil raios partam
Qualquer sentido vago de razão
Eu ando tão down
Eu ando tão down
Outra vez vou te cantar, vou te gritar
Te rebocar do bar
E as paredes do meu quarto vão assistir comigo
À versão nova de uma velha história
E quando o sol vier socar minha cara
Com certeza você já foi embora
Eu ando tão down
Eu ando tão down
Outra vez vou te esquecer
Pois nestas horas pega mal sofrer
Da privada eu vou dar com a minha cara
De panaca pintada no espelho
E me lembrar, sorrindo, que o banheiro
É a igreja de todos os bêbados
Eu ando tão down
Eu ando tão down
Eu ando tão down
Down... down

Composição: Frejat/Cazuza

Carlos Drummond de Andrade

Definitivo


Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.


Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado, e não compartilhamos.


Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.
Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.


Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.
Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.


Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.
Por que sofremos tanto por amor?


O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez companhia por um tempo razoável, um tempo feliz.
Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um verso:

Se iludindo menos e vivendo mais!!!
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida
está no amor que não damos, nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do
sofrimento,perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional...

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A Tábua de Esmeraldas


1 -     É verdade, certo e muito verdadeiro:
2 -     O que está embaixo é como o que está em cima e o que está em cima é como o que está embaixo, para realizar os milagres de uma única coisa.
3 -     E assim como todas as coisas vieram do Um, assim todas as coisas são únicas, por adaptação.
4 -     O Sol é o pai, a Lua é a mãe, o vento o embalou em seu ventre, a Terra é sua alma;
5 -     O Pai de toda Telesma do mundo está nisto.
6 -     Seu poder é pleno, se é convertido em Terra.
7 -     Separarás a Terra do Fogo, o sutil do denso, suavemente e com grande perícia.
8 -     Sobe da terra para o Céu e desce novamente à Terra e recolhe a força das coisas superiores e inferiores.
9 -     Desse modo obterás a glória do mundo.
10 - E se afastarão de ti todas as trevas.
11 - Nisso consiste o poder poderoso de todo poder: Vencerás todas as coisas sutis e penetrarás em tudo o que é sólido.
12 - Assim o mundo foi criado.
13 - Esta é a fonte das admiráveis adaptações aqui indicadas.
14 - Por esta razão fui chamado de Hermes Trismegistos, pois possuo as três partes da filosofia universal.
15 - O que eu disse da Obra Solar é completo.

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 1 -     Verum sine mendacio, certum et verissimum:
2 -     Quod est inferius est sicut quod est superius, et quod est superius est sicut quod est inferius, ad perpetranda miracula rei unius.
3 -     Et sict omnes res fuerunt ab Uno, mediatione unius, sic omnes res natæ fuerunt ab hac una re, adaptatione.
4 -     Pater ejus est Sol, mater ejus Luna; portavit illud Ventus in ventre suo; nutrix ejus Terra est.
5 -     Pater omnes Telesmi totius mundi est hic.
6 -     Vis ejus integra est, si versa fuerit in Terram.
7 -     Separabis terram ab igne, subtile a spisso, suaviter, cum magno ingenio.
8 -     Ascendit a terra in cœlum, interumque descendit in terram et recipit vim superiorum et inferiorum.
9 -     Sic habebis gloriam totius mundi.
10 - Ideo fugiet a te omnis obscuritas.
11 - Hic est totius fortitudinis fortitudo fortis: quis vincet omnem rem subtilem omnemque solidam penetrabit.
12 - Sic mundus creatus est.
13 - Hinc erunt adaptationes mirabiles quarum modus est hic.
14 - Itaque vocatus sum Hermes Trismegistus, habens tres partes philosophiæ totius mundi.
15 - Completum est quod dixi de Operatione Solis.

Charles Baudelaire

Spleen


Quando o cinzento céu, como pesada tampa,
Carrega sobre nós, e nossa alma atormenta,
E a sua fria cor sobre a terra se estampa,
O dia transformado em noite pardacenta;

Quando se muda a terra em úmida enxovia
D'onde a Esperança, qual morcego espavorido,
Foge, roçando ao muro a sua asa sombria,
Com a cabeça a dar no teto apodrecido;

Quando a chuva, caindo a cântaros, parece
D'uma prisão enorme os sinistros varões,
E em nossa mente em febre a aranha fia e tece,
Com paciente labor, fantásticas visões,

- Ouve-se o bimbalhar dos sinos retumbantes,
Lançando para os céus um brado furibundo,
Como os doridos ais de espíritos errantes
Que a chorar e a carpir se arrastam pelo mundo;

Soturnos funerais deslizam tristemente
Em minh'alma sombria. A sucumbida Esp'rança,
Lamenta-se, chorando; e a Angústia, cruelmente,
Seu negro pavilhão sobre os meus ombros lança!


Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal"
Tradução de Delfim Guimarães

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Spleen

Quand le ciel bas et lourd pèse comme un couvercle
Sur l'esprit gémissant en proie aux longs ennuis,
Et que de l'horizon embrassant tout le cercle
II nous verse un jour noir plus triste que les nuits;

Quand la terre est changée en un cachot humide,
Où l'Espérance, comme une chauve-souris,
S'en va battant les murs de son aile timide
Et se cognant la tête à des plafonds pourris;

Quand la pluie étalant ses immenses traînées
D'une vaste prison imite les barreaux,
Et qu'un peuple muet d'infâmes araignées
Vient tendre ses filets au fond de nos cerveaux,

Des cloches tout à coup sautent avec furie
Et lancent vers le ciel un affreux hurlement,
Ainsi que des esprits errants et sans patrie
Qui se mettent à geindre opiniâtrement.

— Et de longs corbillards, sans tambours ni musique,
Défilent lentement dans mon âme; l'Espoir,
Vaincu, pleure, et l'Angoisse atroce, despotique,
Sur mon crâne incliné plante son drapeau noir.


Cecilia Meireles

Retrato




                               Eu não tinha este rosto de hoje,
                                         assim calmo, assim triste, assim magro,
                                         nem esses olhos tão vazios,
                                         nem o lábio amargo.

                                         Eu não tinha estas mãos sem força,
                                         tão paradas e frias e mortas;
                                         eu não tinha este coração
                                         que nem se mostra.

                                         Eu não dei por esta mudança,
                                         tão simples, tão certa, tão fácil:
                                         - em que espelho ficou perdida
                                         a minha face?


                                                                                      Cecília Meireles / Flor de poemas – 1972

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Tom Waits

Downtown Train

Cecília Meireles

Despedida

Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão,
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:
quero solidão.

Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces? – me perguntarão.
-Por não ter palavras, por não ter imagens.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.

Que procuras? – Tudo. Que desejas? – Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.

A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação. . .
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?

Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra. . .)

Quero solidão.