quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Edgar Allan Poe


— Venceste e eu me rendo. Mas de agora em diante, também estás morto... morto para o Mundo, para o Céu e para a Esperança! Em mim tu existias... e vê em minha morte, vê por esta imagem, que é a tua, como assassinaste absolutamente a ti mesmo.

Edgar Allan Poe,trecho de William Wilson, Histórias Extraordinárias

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"You have conquered, and I yield. Yet, henceforward art thou also dead -- dead to the World, to Heaven and to Hope! In me didst thou exist -- and, in my death, see by this image, which is thine own, how utterly thou hast murdered thyself."

Manuel Bandeira


O céu parece de algodão.
O dia morre. Choveu tanto!
As minhas pálpebras estão
Como embrumadas pelo pranto.

Manuel Bandeira

Olavo Bilac



                          Este, que um deus cruel arremessou à vida,
                          Marcando-o com o sinal da sua maldição,
                          — Este desabrochou como a erva má, nascida
                           Apenas para aos pés ser calcada no chão.

                          De motejo em motejo arrasta a alma ferida...
                          Sem constância no amor, dentro do coração
                          Sente crespa, crescer a selva retorcida
                          Dos pensamentos maus, filhos da solidão.

                          Longos dias sem sol! Noites de eterno luto!
                          Alma cega, perdida à toa no caminho!
                          Roto casco de nau, desprezado no mar!

                          E, árvore, acabará sem nunca dar um fruto;
                          E, homem, há de morrer como viveu: sozinho!
                          Sem ar! Sem luz! Sem Deus! Sem fé! Sem pão! Sem lar!
Olavo Bilac, in Poesias

Edgar Allan Poe

Annabel Lee



             “Pois a lua jamais brilha sem trazer-me sonhos
             Da bela Annabel Lee.
             E as estrelas jamais surgem sem que eu sinta os brilhantes olhos
             Da bela Annabel Lee.
             E, assim, durante toda a maré noturna, deito-me ao lado
             Da minha querida — minha querida — minha vida e minha noiva.
             Em seu sepulcro junto ao mar,
             Em sua tumba junto ao rumoroso mar”.
                                                                                         Edgar Allan Poe, trecho final de Annabel Lee

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            For the moon never beams without bringing me dreams
            Of the beautiful Annabel Lee;
            And the stars never rise but I feel the bright eyes
            Of the beautiful Annabel Lee;
            And so, all the night-tide, I lie down by the side
            Of my darling- my darling- my life and my bride,
            In the sepulchre there by the sea,
            In her tomb by the sounding sea.

Lao Tsé

Síntese das antíteses


                                             Só temos consciência do belo,
                                             Quando conhecemos o feio.
                                             Só temos consciência do bom,
                                             Quando conhecemos o mau.
                                             Porquanto, o Ser e o Existir
                                             Se engendram mutuamente.
                                             O fácil e o difícil se completam.
                                             O grande e o pequeno são complementares.
                                             O alto e o baixo formam um todo.
                                             O som e o silêncio formam a harmonia.
                                             O passado e o futuro geram o tempo.
                                             Eis porque o sábio age
                                             Pelo não-agir.
                                             E ensina sem falar.
                                             Aceita tudo o que lhe acontece.
                                             Produz tudo e não fica com nada.
                                             O sábio tudo realiza — e nada considera seu.
                                             Tudo faz — e não se apega à sua obra.
                                             Não se prende aos frutos da sua atividade.
                                             Termina a sua obra,
                                             E está sempre no princípio.
                                             E por isso a sua obra prospera.

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The Rise of Relative Opposites

When the people of the Earth all know beauty as beauty,
There arises (the recognition of) ugliness.
When the people of the Earth all know the good as good,
There arises (the recognition of) evil.
Therefore:
Being and non-being interdepend in growth;
Difficult and easy interdepend in completion;
Long and short interdepend in contrast;
High and low interdepend in position;
Tones and voice interdepend in harmony;
Front and behind interdepend in company.
Therefore the Sage:
Manages affairs without action;
Preaches the doctrine without words;
All things take their rise, but he does not turn away from them;
He gives them life, but does not take possession of them;
He acts, but does not appropriate;
Accomplishes, but claims no credit.
It is because he lays claim to no credit
That the credit cannot be taken away from him
Lao Tsé – Tao Te King

Renato Russo


Clarice



Estou cansado de ser vilipendiado, incompreendido e descartado.
Quem diz que me entende nunca quis saber;
Aquele menino foi internado numa clínica;
Dizem que por falta de atenção dos amigos, das lembranças, dos sonhos que se configuram tristes e inertes.
Como uma ampulheta imóvel, não se mexe, não se move, não trabalha.
E Clarice está trancada no banheiro, e faz marcas no seu corpo com seu pequeno canivete.
Deitada no canto, seus tornozelos sangram, e a dor é menor do que parece.
Quando ela se corta ela esquece que é impossível ter da vida calma e força.
Viver em dor, o que ninguém entende;
Tentar ser forte a todo e cada amanhecer.
Uma de suas amigas já se foi.
Quando mais uma ocorrência policial.
Ninguém entende,
Não me olhe assim com este semblante de bom-samaritano cumprindo seu dever, como se eu fosse doente, como se toda essa dor fosse diferente, ou inexistente.
Nada existe para mim.
Não tente, você não sabe e não entende.
E quando os antidepressivos e os calmantes não fazem mais efeito, Clarice sabe que a loucura está presente, e sente a essência estranha do que é a morte.
Mas esse vazio ela conhece muito bem.
De quando em quando é um novo tratamento.
Mas o mundo continua sempre o mesmo.
O medo de voltar pra casa à noite, os homens que se esfregam nojentos, no caminho de ida e volta da escola.
A falta de esperança e o tormento de saber que nada é justo e pouco é certo.
E que estamos destruindo o futuro, e que a maldade anda sempre aqui por perto.
A violência e a injustiça que existe contra todas as meninas e mulheres.
Um mundo onde a verdade é o avesso e a alegria já não tem mais endereço.
Clarice está trancada em seu quarto com seus discos e livros, seu descanso.
Eu sou um pássaro. Me trancam na gaiola e esperam que eu cante como antes.
Eu sou um pássaro... me trancam na gaiola, mas um dia eu consigo existir e vou voar pelo caminho mais bonito.
Clarice só tem 14 anos.
Renato Russo


Karl Jenkins

Adiemus


Thorton Wilder

“Passa tão rápido. Nem tempo tivemos de nos olhar. Nem me dei conta. Tudo acontecia sem que jamais o percebêssemos. Leve-me de volta — colina acima — ao meu túmulo. Mas antes: Espera! Mais uma olhada.

Adeus, adeus mundo... Mamãe e Papai. Adeus margaridas do campo... e os girassóis de mamãe. E comida e café. E roupas limpas recém-passadas e banhos quentes... e dormir e acordar. Oh, Terra, você é tão maravilhosa que quase ninguém a percebe!”
Emília, em Nossa Cidade, peça de Thorton Wilder

James Dean


“... O BOY tornou-se a propriedade mais quente da propaganda. Sorriso enigmático no rosto jovem e delicado. O BOY está olhando o quê?... O BOY é muito quente para segurar. Templos foram edificados ao BOY e havia posters de setenta e sete pés de altura e todos os adolescentes passaram a agir como o BOY olhando você com ar sonhador e sucrilhos nos lábios partidos. Todos eles compraram camisas BOY e facas BOY correndo à volta feito bandos de lobos...”
The Wild Boys, por William Burroughs

Edgar Allan Poe


O Palácio Assombrado



I



No mais verde de nossos vales,
habitado por anjos bons,
antigamente um belo e imponente palácio
— um palácio radiante — se erguia.
Nos domínios do rei Pensamento.
lá se achava ele!
Jamais um Serafim espalmou a asa
sobre um edifício só metade tão belo.


II


Estandartes amarelos, gloriosos, dourados,
sobre o seu telhado ondulavam, flutuavam.
(Isso, tudo isso, aconteceu há muito, muitíssimo tempo.)
E em cada brisa sua que soprava,
naqueles doces dias,
ao longo dos muros pálidos e empenachados,
se elevava um aroma alado.


III


Caminhantes que passavam por esse vale feliz
viam, através de duas janelas iluminadas,
espíritos que se moviam musicalmente
ao som de um alaúde bem afinado,
em torno de um trono onde, sentado,
(Porfirogênito!)
com majestade digna de sua glória,
aparecia o senhor do reino.


IV


E toda refulgente de pérolas e rubis
era linda porta do palácio,
através da qual passava, passava e passava,
a refulgir sem cessar,
uma turba de ecos cuja grata missão
era apenas cantar,
com vozes de inexcedível beleza,
o talento e o saber de seu rei.


V


Mas seres maus, trajados de luto,
assaltaram o alto trono do monarca;
(ah, lamentemo-nos, visto que nunca mais a alvorada despontará sobre ele, o desolado!)
e, em torno de sua mansão, a glória,
que, rubra, florescia,
não passa, agora, de uma história quase esquecida
dos velhos tempos já sepultados.


VI


E agora os caminhantes, nesse vale,
através das janelas de luz avermelhada, vêem
grandes vultos que se movem fantasticamente
ao som de desafinada melodia;
enquanto isso, qual rio rápido e medonho,
através da porta descorada,
odiosa turba se precipita sem cessar,
rindo — mas sem sorrir nunca mais.

                                         Edgar Allan Poe, trecho de A queda da Casa de Usher, Histórias Extraordinárias

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"The Haunted Palace"

I

In the greenest of our valleys,
By good angels tenanted,
Once fair and stately palace --
Radiant palace --reared its head.
In the monarch Thought's dominion --
It stood there!
Never seraph spread a pinion
Over fabric half so fair.

II

Banners yellow, glorious, golden,
On its roof did float and flow;
(This --all this --was in the olden
Time long ago)
And every gentle air that dallied,
In that sweet day,
Along the ramparts plumed and pallid,
A winged odour went away.

III

Wanderers in that happy valley
Through two luminous windows saw
Spirits moving musically
To a lute's well-tuned law,
Round about a throne, where sitting
(Porphyrogene!)
In state his glory well befitting,
The ruler of the realm was seen.

IV

And all with pearl and ruby glowing
Was the fair palace door,
Through which came flowing, flowing, flowing
And sparkling evermore,
A troop of Echoes whose sweet duty
Was but to sing,
In voices of surpassing beauty,
The wit and wisdom of their king.

V

But evil things, in robes of sorrow,
Assailed the monarch's high estate;
(Ah, let us mourn, for never morrow
Shall dawn upon him, desolate!)
And, round about his home, the glory
That blushed and bloomed
Is but a dim-remembered story
Of the old time entombed.

VI

And travellers now within that valley,
Through the red-litten windows, see
Vast forms that move fantastically
To a discordant melody;
While, like a rapid ghastly river,
Through the pale door,
A hideous throng rush out forever,
And laugh --but smile no more.

Chacal

                                                            
                                          Pra você
                  morro de amores
                  e mordo diamantes
                  e dos cacos dos meus dentes sangrando
                  faço um cordão pra
                  enfeitar sua fantasia

Feist

Lonely Lonely
Para curtir sozinho, num dia de chuva (bebendo café).



Charles Baudelaire

Remorso Póstumo



                                           Quando fores dormir, ó bela tenebrosa,
                                           Em teu negro e mamóreo mausoléu, e não
                                           Tiveres por alcova e refúgio senão
                                           Uma cova deserta e uma tumba chuvosa;

                                           Quando a pedra, a oprimir tua carne medrosa
                                           E teus flancos sensuais de lânguida exaustão,
                                           Impedir de querer e arfar teu coração,
                                           E teu pés de correr por trilha aventurosa,

                                           O túmulo, no qual em sonho me abandono
                                            - Porque o túmulo sempre há de entender o poeta -,
                                           Nessas noites sem fim em que nos foge o sono,

                                           Dir-te-á: "De que valeu, cortesã indiscreta,
                                           Ao pé dos mortos ignorar o seu lamento?"
                                            - E o verme te roerá como um remorso lento.
                                                                                                                              Tradução de Ivan Junqueira
 
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Remords posthume

                                           Lorsque tu dormiras, ma belle ténébreuse,
                                           Au fond d'un monument construit en marbre noir,
                                           Et lorsque tu n'auras pour alcôve et manoir
                                           Qu'un caveau pluvieux et qu'une fosse creuse;

                                           Quand la pierre, opprimant ta poitrine peureuse
                                           Et tes flancs qu'assouplit un charmant nonchaloir,
                                           Empêchera ton coeur de battre et de vouloir,
                                           Et tes pieds de courir leur course aventureuse,

                                           Le tombeau, confident de mon rêve infini
                                           (Car le tombeau toujours comprendra le poète),
                                           Durant ces grandes nuits d'où le somme est banni,

                                           Te dira: «Que vous sert, courtisane imparfaite,
                                           De n'avoir pas connu ce que pleurent les morts?»
                                            — Et le ver rongera ta peau comme un remords.




terça-feira, 17 de agosto de 2010

Hilda Hilst


        Com meus olhos de cão paro diante do mar. Trêmulo e doente. Arcado, magro, farejo um peixe entre madeiras. Espinha. Cauda. Olho o mar mas não lhe sei o nome. Fico parado de pé, torto, e o que sinto também não tem nome. Sinto meu corpo de cão. Não sei o mundo nem o mar a minha frente. Deito-me porque o meu corpo de cão ordena. Há um latido em minha garganta, um urro manso. Tento expulsá-lo mas homem-cão sei que estou morrendo e que jamais serei ouvido. Agora sou espírito. Estou livre e sobrevoo meu ser de miséria, meu abandono, o nada que me coube e que me fiz na Terra. Estou subindo, úmido de névoa.

Trecho de Com meus olhos de cão. São Paulo: Brasiliense, 1986, 1º Edição


October Project

Wall of Silence
Uma linda canção. Vale a pena escutar, refletir e meditar...
Obs: As imagens do video são do filme "O Piano" de 1993.


Edgar Allan Poe

O Corvo


Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia

O som de alguém que batia levemente a meus umbrais
«Uma visita», eu me disse, «está batendo a meus umbrais.
É só isso e nada mais.»

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão) a amada, hoje entre hostes celestiais —
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo,
«É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isso e nada mais».

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
«Senhor», eu disse, «ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi...» E abri largos, franquendo-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais —
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isto só e nada mais.

Para dentro estão volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
«Por certo», disse eu, «aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.»
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
«É o vento, e nada mais.»

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais.
Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
«Tens o aspecto tosquiado», disse eu, «mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.»
Disse-me o corvo, «Nunca mais».

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome «Nunca mais».

Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, «Amigo, sonhos — mortais
Todos — todos lá se foram. Amanhã também te vais».
Disse o corvo, «Nunca mais».

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
«Por certo», disse eu, «são estas vozes usuais.
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este «Nunca mais».

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele «Nunca mais».

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-me então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
«Maldito!», a mim disse, «deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».

«Profeta», disse eu, «profeta — ou demónio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais,
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».

«Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!, eu disse. «Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha dor de um demónio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais,
E a minh'alma dessa sombra, que no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!

Tradução: Fernando Pessoa

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The Raven

Once upon a midnight dreary, while I pondered weak and weary,
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore,
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping,
As of some one gently rapping, rapping at my chamber door.
`'Tis some visitor,' I muttered, `tapping at my chamber door -
Only this, and nothing more.'

Ah, distinctly I remember it was in the bleak December,
And each separate dying ember wrought its ghost upon the floor.
Eagerly I wished the morrow; - vainly I had sought to borrow
From my books surcease of sorrow - sorrow for the lost Lenore -
For the rare and radiant maiden whom the angels named Lenore -
Nameless here for evermore.

And the silken sad uncertain rustling of each purple curtain
Thrilled me - filled me with fantastic terrors never felt before;
So that now, to still the beating of my heart, I stood repeating
`'Tis some visitor entreating entrance at my chamber door -
Some late visitor entreating entrance at my chamber door; -
This it is, and nothing more,'

Presently my soul grew stronger; hesitating then no longer,
`Sir,' said I, `or Madam, truly your forgiveness I implore;
But the fact is I was napping, and so gently you came rapping,
And so faintly you came tapping, tapping at my chamber door,
That I scarce was sure I heard you' - here I opened wide the door; -
Darkness there, and nothing more.

Deep into that darkness peering, long I stood there wondering, fearing,
Doubting, dreaming dreams no mortal ever dared to dream before;
But the silence was unbroken, and the darkness gave no token,
And the only word there spoken was the whispered word, `Lenore!'
This I whispered, and an echo murmured back the word, `Lenore!'
Merely this and nothing more.

Back into the chamber turning, all my soul within me burning,
Soon again I heard a tapping somewhat louder than before.
`Surely,' said I, `surely that is something at my window lattice;
Let me see then, what thereat is, and this mystery explore -
Let my heart be still a moment and this mystery explore; -
'Tis the wind and nothing more!'

Open here I flung the shutter, when, with many a flirt and flutter,
In there stepped a stately raven of the saintly days of yore.
Not the least obeisance made he; not a minute stopped or stayed he;
But, with mien of lord or lady, perched above my chamber door -
Perched upon a bust of Pallas just above my chamber door -
Perched, and sat, and nothing more.

Then this ebony bird beguiling my sad fancy into smiling,
By the grave and stern decorum of the countenance it wore,
`Though thy crest be shorn and shaven, thou,' I said, `art sure no craven.
Ghastly grim and ancient raven wandering from the nightly shore -
Tell me what thy lordly name is on the Night's Plutonian shore!'
Quoth the raven, `Nevermore.'

Much I marvelled this ungainly fowl to hear discourse so plainly,
Though its answer little meaning - little relevancy bore;
For we cannot help agreeing that no living human being
Ever yet was blessed with seeing bird above his chamber door -
Bird or beast above the sculptured bust above his chamber door,
With such name as `Nevermore.'

But the raven, sitting lonely on the placid bust, spoke only,
That one word, as if his soul in that one word he did outpour.
Nothing further then he uttered - not a feather then he fluttered -
Till I scarcely more than muttered `Other friends have flown before -
On the morrow he will leave me, as my hopes have flown before.'
Then the bird said, `Nevermore.'

Startled at the stillness broken by reply so aptly spoken,
`Doubtless,' said I, `what it utters is its only stock and store,
Caught from some unhappy master whom unmerciful disaster
Followed fast and followed faster till his songs one burden bore -
Till the dirges of his hope that melancholy burden bore
Of "Never-nevermore."'

But the raven still beguiling all my sad soul into smiling,
Straight I wheeled a cushioned seat in front of bird and bust and door;
Then, upon the velvet sinking, I betook myself to linking
Fancy unto fancy, thinking what this ominous bird of yore -
What this grim, ungainly, ghastly, gaunt, and ominous bird of yore
Meant in croaking `Nevermore.'

This I sat engaged in guessing, but no syllable expressing
To the fowl whose fiery eyes now burned into my bosom's core;
This and more I sat divining, with my head at ease reclining
On the cushion's velvet lining that the lamp-light gloated o'er,
But whose velvet violet lining with the lamp-light gloating o'er,
She shall press, ah, nevermore!

Then, methought, the air grew denser, perfumed from an unseen censer
Swung by Seraphim whose foot-falls tinkled on the tufted floor.
`Wretch,' I cried, `thy God hath lent thee - by these angels he has sent thee
Respite - respite and nepenthe from thy memories of Lenore!
Quaff, oh quaff this kind nepenthe, and forget this lost Lenore!'
Quoth the raven, `Nevermore.'

`Prophet!' said I, `thing of evil! - prophet still, if bird or devil! -
Whether tempter sent, or whether tempest tossed thee here ashore,
Desolate yet all undaunted, on this desert land enchanted -
On this home by horror haunted - tell me truly, I implore -
Is there - is there balm in Gilead? - tell me - tell me, I implore!'
Quoth the raven, `Nevermore.'

`Prophet!' said I, `thing of evil! - prophet still, if bird or devil!
By that Heaven that bends above us - by that God we both adore -
Tell this soul with sorrow laden if, within the distant Aidenn,
It shall clasp a sainted maiden whom the angels named Lenore -
Clasp a rare and radiant maiden, whom the angels named Lenore?'
Quoth the raven, `Nevermore.'

`Be that word our sign of parting, bird or fiend!' I shrieked upstarting -
`Get thee back into the tempest and the Night's Plutonian shore!
Leave no black plume as a token of that lie thy soul hath spoken!
Leave my loneliness unbroken! - quit the bust above my door!
Take thy beak from out my heart, and take thy form from off my door!'
Quoth the raven, `Nevermore.'

And the raven, never flitting, still is sitting, still is sitting
On the pallid bust of Pallas just above my chamber door;
And his eyes have all the seeming of a demon's that is dreaming,
And the lamp-light o'er him streaming throws his shadow on the floor;
And my soul from out that shadow that lies floating on the floor
Shall be lifted - nevermore!