quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Renato Russo


Clarice



Estou cansado de ser vilipendiado, incompreendido e descartado.
Quem diz que me entende nunca quis saber;
Aquele menino foi internado numa clínica;
Dizem que por falta de atenção dos amigos, das lembranças, dos sonhos que se configuram tristes e inertes.
Como uma ampulheta imóvel, não se mexe, não se move, não trabalha.
E Clarice está trancada no banheiro, e faz marcas no seu corpo com seu pequeno canivete.
Deitada no canto, seus tornozelos sangram, e a dor é menor do que parece.
Quando ela se corta ela esquece que é impossível ter da vida calma e força.
Viver em dor, o que ninguém entende;
Tentar ser forte a todo e cada amanhecer.
Uma de suas amigas já se foi.
Quando mais uma ocorrência policial.
Ninguém entende,
Não me olhe assim com este semblante de bom-samaritano cumprindo seu dever, como se eu fosse doente, como se toda essa dor fosse diferente, ou inexistente.
Nada existe para mim.
Não tente, você não sabe e não entende.
E quando os antidepressivos e os calmantes não fazem mais efeito, Clarice sabe que a loucura está presente, e sente a essência estranha do que é a morte.
Mas esse vazio ela conhece muito bem.
De quando em quando é um novo tratamento.
Mas o mundo continua sempre o mesmo.
O medo de voltar pra casa à noite, os homens que se esfregam nojentos, no caminho de ida e volta da escola.
A falta de esperança e o tormento de saber que nada é justo e pouco é certo.
E que estamos destruindo o futuro, e que a maldade anda sempre aqui por perto.
A violência e a injustiça que existe contra todas as meninas e mulheres.
Um mundo onde a verdade é o avesso e a alegria já não tem mais endereço.
Clarice está trancada em seu quarto com seus discos e livros, seu descanso.
Eu sou um pássaro. Me trancam na gaiola e esperam que eu cante como antes.
Eu sou um pássaro... me trancam na gaiola, mas um dia eu consigo existir e vou voar pelo caminho mais bonito.
Clarice só tem 14 anos.
Renato Russo


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